Biodiversidade Marinha

Biodiversidade Marinha

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Cachalote

cachalote ou cacharréu (Physeter catodon), é o maior dos cetáceos com dentes bem como o maior animal com dentes actualmente existente. Mede até 18 metros de comprimento. Este cetáceo tem, como característica distintiva, o facto de possuir, na cabeça, uma substância cerosa de cor leitosa: o espermacete. A enorme cabeça e a forma distintiva do cachalote, bem como o seu papel na obra Moby Dick de Herman Melville, levaram muitos a descreverem o cachalote como o arquétipo de "baleia" por excelência, mesmo que ele não possa ser considerado uma baleia. O cachalote foi caçado nas águas dos arquipélagos portugueses da Madeira e Açores até 1981 e 1984 respectivamente.
Physeter catodon vem dos termos gregos physao ("soprar"), cata ('base") e odon ("dente") . Macrocephalus deriva do termo grego para "cabeça grande". A etimologia da palavra cachalote não é clara, parecendo ter origem em "cachola", termo coloquial usado para designar "cabeça", do termo gascão cachau (dentes grandes) ou ainda do termo catalão quitxalot. A sua designação em língua inglesa, sperm whale, é uma contracção de spermaceti whale ("baleia de espermacete"). O cachalote foi categorizado pela primeira vez por Lineu, que, em 1758, reconheceu quatro espécies no género Physeter. Porém, não passou muito tempo até que os peritos concluíssem que constituíam uma única espécie. A maioria das publicações modernas classifica o cachalote como a única espécie da família Physeteridae (e como tal a única espécie no seu género). A família do cachalote é, por vezes, tratada como uma superfamíliaPhyseteroidea. Esta superfamília contém apenas mais duas espécies - o cachalote-pigmeu e o cachalote-anão. Estas duas espécies pertencem à família Kogiidae.
No entanto, Mead e Brownell listam estas três espécies na família Kogiidae, designam o cachalote Physeter catodon e dispensam a superfamília.
Crê-se que o cachalote divergiu das outros cetáceos com dentes nos primeiros tempos da evolução da subordem - há cerca de 20 milhões de anos.
O cachalote é excepcional pela sua grande cabeça, sobretudo nos machos, correspondendo tipicamente a um terço do comprimento total do animal. Contrastando com a pele suave da maioria dos restantes cetáceos, a pele do dorso do cachalote apresenta geralmente protuberâncias. Apesar da sua cor uniformemente cinzenta, podem parecer castanhos à luz solar e há registos de cachalotes albinos brancos. O cérebro do cachalote é o maior e mais pesado de entre os cérebros de todos os animais (modernos ou extintos) conhecidos, pesando em média aproximadamente 7 kg num macho adulto.
O espiráculo situa-se muito próximo da zona frontal da cabeça e descaído ligeiramente para a esquerda, o que faz com que o sopro seja um tanto ramificado e inclinado para a frente. O cachalote não possui uma verdadeira barbatana dorsal, mas sim uma série de altos na zona caudal do dorso. O maior deles era chamado bossa pelos baleeiros e é muitas vezes confundido com uma barabatana dorsal devido à sua forma. A barbatana caudal é triangular e muito grossa.
Os cachalotes têm de 17 a 29 pares de dentes com forma cónica na mandíbula inferior, cada um com 8 a 20 cm de comprimento, podendo atingir os 25 cm e os 500 gramas de peso. Cada dente pode chegar a pesar 1 kg. Não existem certezas relativamente à razão da existência dos dentes, mas sabe-se que muitos machos de cachalote apresentam cicatrizes aparentemente causadas por dentes de outros machos. A mandíbula superior também apresenta dentes, mas estes raramente se encontram visíveis.
Os cachalotes encontram-se entre os cetáceos mais sexualmente dimórficos (isto é, machos e fêmeas são bastante diferentes). Os machos são tipicamente 30% a 50% mais compridos (14 a 18 metros) do que as fêmeas (12 a 14 metros) e são cerca de duas vezes mais pesados (50 000 kg versus 25 000 kg das fêmeas). No momento do nascimento tanto machos como fêmeas têm cerca de 4 metros de comprimento e um peso aproximado de 1 000 kg.
Em consequência da intensidade da caça a que foram sujeitos ao longo de muitos anos, o tamanho dos cachalotes diminuiu significativamente, sobretudo porque os machos maiores foram mortos primeiro e de modo mais intenso, pois tinham mais espermacete (o óleo de espermacete era bastante valioso nos séculos XVIII e XIX - ver abaixo). Num museu de Nantucket, Rhode Island, existe uma mandíbula de um cachalote com 5,5 metros de comprimento. A mandíbula constitui cerca de 20 a 25% de comprimento total do cachalote. Assim, a baleia a que pertencia esta mandíbula pode ter medido 28 metros de comprimento, pesando cerca de 150 toneladas. Uma outra evidência do maior tamanho dos machos de cachalote no passado encontra-se no museu de New Bedford, Massachusetts. Trata-se de uma outra mandíbula de um cachalote macho com 5,2 metros de comprimento, que corresponderia a um animal de cerca de 25,6 metros de comprimento e um peso próximo das 125 toneladas. Além destas duas evidências, livros de registos encontrados naqueles dois museus estão cheios de referências a machos que tinham, considerando a quantidade de óleo deles obtida, aproximadamente o mesmo tamanho que os dois exemplares antes descritos. Actualmente os cachalotes geralmente não excedem os 18 metros de comprimento e as 52 toneladas de peso. Os maiores cachalotes observados actualmente são de tamanho comparável ao da baleia-comum (e menores que a baleia azul), o que torna o cachalote a segunda ou terceira maior espécie animal viva.
O cachalote é o exemplo típico de uma espécie que se crê ter-se desenvolvido sob condições ambientais muito estáveis. Esta evolução relativamente "fácil" conduziu a uma taxa de natalidade baixa, maturação lenta e grande longevidade. As fêmeas dão à luz uma vez cada quatro a seis anos, com um período de gestação de pelo menos 12 meses podendo atingir mesmo os 18 meses. As crias são amamentadas durante dois ou três anos. Nos machos, a puberdade dura cerca de dez anos entre as idades de 10 e 20 anos. Os machos mantêm-se em crescimento até cerca dos 50 anos de idade, altura em que atingem o seu tamanho máximo. Os cachalotes podem viver cerca de 80 anos.
O espermacete é um substância cerosa encontrada na cabeça do cachalote. Este termo deriva do latim sperma ceti (com ambas palavras de origem grega) que significa esperma de baleia (ou mais exactamente esperma do monstro marinho). No entanto, o espermacete não é o esperma da baleia, mas foi erradamente identificado como tal pelos primeiros baleeiros. O espermacete é encontrado no órgão do espermacete à frente e por cima do crânio da baleia e também na parte frontal da cabeça acima da mandíbula superior. O espermacete é uma substância muito peculiar composta exclusivamente por ésteres e triglicéridos. O órgão do espermacete pode conter até 2 000 litros de espermacete.
Uma das funções do órgão do espermacete é servir como órgão de mergulho ou de flutuação. Antes do início de um mergulho, é aspirada água fria que passa pelo órgão do espermacete provocando a solidificação da cera. O aumento do peso específico gera uma força descendente (equivalente a 40 kg) permitindo que a baleia possa submergir sem esforço. Durante a perseguição das presas a grande profundidade (mais de 2 000 metros) o oxigénio armazenado é consumido e o calor produzido derrete o espermacete, o que permitirá a ascensão mais fácil do cachalote.
Existem outras hipóteses sobre possíveis funções do espermacete: uma delas e na qual se inspira a obra de Melville, é a possibilidade de o órgão de espermacete ter evoluído como um tipo de aríete para ser usado em lutas entre machos rivais. Esta hipótese é consistente com os afundamentos dos navios estado-unidenses Essex (1820) e Ann Alexander (1851) devido a ataques de cachalotes com peso estimado em cerca de uma quinta parte do peso dos navios. Para além de funcionar como aríete, o órgão do espermacete também tem de funcionar como amortecedor.
Outra possibilidade é a de que o órgão do espermacete é utilizado como auxiliar na ecolocalização. A forma do órgão poderá focar ou alargar o feixe de som emitido em qualquer momento, utilizando-o, inclusive, como resposta acústica a comportamentos de selecção sexual.
O espermacete era muito procurado pelos baleeiros durante os séculos XVIII, XIX e XX. Esta substância possui várias aplicações comerciais em óleos para relógios, fluidos de transmissão, lubrificantes de lentes fotográficas e instrumentos delicados usados em grandes altitudes, cosméticos, velas, aditivos em óleos de motor, glicerina, compostos antiferrugem, detergentes, fibras químicas, vitaminas e mais de 70 compostos farmacêuticos.
O âmbar cinza é uma concreção muito odorífera que se encontra no intestino de cerca de 5% dos indivíduos desta espécie, em quantidades que geralmente não ultrapassam os 10 kg. Coloca-se a hipótese de os bicos afiados dos cefalópodes ingeridos e alojados no intestino do cachalote poderem levar à produção do âmbar cinza, de modo análogo à formação das pérolas. É uma substância muito apreciada como espasmolítico e fixador de perfumes.
Os cachalotes respiram ar à superfície da água através de um único espiráculo em forma de "S". O espiráculo está situado no lado esquerdo da parte frontal da cabeça. Respiram 3 a 5 vezes por minuto quando em repouso, aumentando esta frequência para 6 a 7 vezes por minuto após um mergulho. O sopro consiste de um único e ruidoso jorro de água que pode elevar-se até 15 metros sobre a superfície da água, apontando para diante e para a esquerda com um ângulo de 45º.
Os cachalotes, juntamente com os botinhosos, são os mamíferos capazes de mergulhar a uma maior profundidade. Crê-se que sejam capazes de mergulhar até profundidades da ordem dos 3 000 metros com duração do mergulho de até 90 minutos. No entanto, o mergulho típico atinge os 400 metros de profundidade e os 30 a 45 minutos de duração.
A fisiologia do cachalote apresenta algumas adaptações às mudanças drásticas de pressão que ocorrem durante os mergulhos. A caixa torácica é flexível, permitindo o colapso dos pulmões, e o ritmo cardíaco pode ser diminuído para aumentar o tempo de duração das reservas de oxigênio. O oxigênio é armazenado em tecido muscular através da mioglobina. Quando os níveis de oxigénio descem, o fluxo de sangue pode ser dirigido apenas para o cérebro e órgãos essenciais. O órgão do espermacete parece também estar envolvido no mergulho (ver acima).
Apesar de bem adaptados ao mergulho, a repetição de mergulhos a grandes profundidades parece ter efeitos a longo prazo sobre os cachalotes. Os esqueletos de cachalotes evidenciam destruição de tecido ósseo que, em humanos, é muitas vezes um sinal de doença de descompressão. Os esqueletos dos cachalotes mais velhos evidenciam uma destruição mais extensa, enquanto que as crias de cachalotes não apresentam quaisquer danos no tecido ósseo. Estes danos podem indicar que os cachalotes são susceptíveis à doença de descompressão, e a emersão repentina pode ser-lhes fatal.
Entre mergulhos, o cachalote vem à superfície para respirar, mantendo-se mais ou menos imóvel por oito a dez minutos antes de iniciar novo mergulho. Devido às grandes profundidades atingidas durante o mergulho, os cachalotes podem por vezes afogar-se quando ficam presos em cabos submarinos.
Os cachalotes alimentam-se de várias espécies, em particular lula-gigante, potas, polvo e vários peixes como raias, mas principalmente de lulas de tamanho médio. Praticamente tudo o que se sabe sobre as lulas que vivem a grande profundidade foi descoberto a partir de exemplares encontrados nos estômagos de cachalotes capturados.
O roubo de peixe-carvão-do-Pacífico e de merluza-negra de palangres levado a cabo por cachalotes é bem conhecido e está documentado, sobretudo no Golfo do Alasca. Acredita-se que este hábito é aprendido e passado a outros cachalotes dentro de um mesmo grupo ou às crias. Porém, a quantidade de peixe assim obtida é muito pequena quando comparada com as necessidades diárias de um cachalote.
Os cachalotes são comedores prodigiosos, podendo comer cerca de 3% do seu peso diariamente. O consumo anual total de presas pelos cachalotes em todo o mundo está estimado em 100 milhões de toneladas - um número superior ao consumo humano anual total de animais marinhos.
Além dos seres humanos, apenas outro predador ataca os cachalotes: a orca. Grandes grupos de orcas atacam frequentemente grupos de cachalotes fêmea, com as crias, tentando geralmente isolar as últimas com intenção de as capturar. As fêmeas conseguem, grande parte das vezes, repelir estes ataques formando um círculo em redor das crias e batendo as barbatanas caudais, de forma a evitar a entrada de qualquer orca na formação. Se o grupo de orcas for muito grande, até as fêmeas adultas podem ser mortas. Os grandes cachalotes macho não têm predadores.
O cachalote é uma espécie extremamente social. As fêmeas adultas formam grupos sociais, com juvenis e crias, distribuídos pelas águas tropicais e subtropicais. Os machos abandonam a sua família de origem cerca dos seis anos de idade, deslocando-se para latitudes mais altas, onde crescem geralmente em associação com outros machos imaturos. Quando se tornam sexualmente activos, cerca dos 25 anos de idade, abandonam os seus grupos de solteiros e tornam-se solitários. Ao atingirem a maturidade física, cerca dos 30 anos, migram periodicamente para as águas tropicais em busca de fêmeas.
Os grupos sociais dedicam grande parte do seu tempo aos longos mergulhos em busca de alimento, os quais parecem ser sincronizados e coordenados. As crias que não podem mergulhar, são deixadas sozinhas à superfície ou na companhia da mãe ou de uma ama - uma outra fêmea do grupo.
O cachalote encontra-se entre as espécies mais cosmopolitas do mundo, sendo encontrado em todos os oceanos e no Mar Mediterrâneo. É relativamente abundante entre o Ártico e o equador. As populações são mais densas próximo das plataformas continentais e canhões, provavelmente devido à maior facilidade em conseguir alimento.
Apesar de a baleação com navios-fábrica ter sido proibida em 1979, a ameaça humana ao cachalote não desapareceu. O Japão adicionou o cachalote às espécies de cetáceos caçadas ao abrigo de baleação científica. Os produtos obtidos desta baleação científica acabam por ser vendidos em mercado aberto no Japão, país em que a carne de baleia é muito apreciada. Outras ameaças são as colisões com grandes embarcações, a prisão em redes de pesca, ingestão de resíduos sólidos como plásticos, derrames de hidrocarbonetos, despejo de resíduos industriais e a poluição sonora oriunda de operações de prospecção sísmica, sonares e tráfego naval.
Não se conhece o número total de cachalotes actualmente existente. Estimativas muito grosseiras, obtidas de levantamentos efectuados em pequenas áreas com extrapolação para os oceanos do planeta, variam de 200 000 a 2 000 000 de indivíduos. Apesar de o cachalote ter sido caçado durante vários séculos pela sua carne, óleo e espermacete, as perspectivas sobre a conservação desta espécie são melhores que as de muitas outras baleias. Apesar de ocorrer caça em pequena escala em Lamalera na Indonésia, São Vicente e Granadinas, Santa Lúcia e de o Japão ter adicionado o cachalote às espécies de cetáceos caçadas ao abrigo da baleação científica, a espécie encontra-se protegida em quase todo o mundo. Os pescadores não capturam as espécies de mar profundo de que os cachalotes se alimentam e os mares profundos provavelmente serão mais resistentes à poluição do que as zonas superficiais.
No entanto, a recuperação dos anos da baleação é um processo lento, particularmente no Oceano Pacífico Sul, onde a redução do número de machos em idade de procriação foi muito acentuada.
Os cachalotes não são dos cetáceos mais fáceis de observar, devido aos longos tempos de mergulho e à sua capacidade de viajarem grandes distâncias debaixo de água. No entanto, devido ao seu aspecto distinto e ao seu grande porte, a sua observação está a tornar-se cada vez mais popular. Os observadores de cachalotes usam frequentemente hidrofones para ouvir os sons produzidos pelos cetáceos e assim localizá-las antes de emergirem.
Entre os locais mais populares para a observação de cachalotes incluem-se: Kaikoura na Nova Zelândia, Andenes e Tromsø na Noruega, os Açores em Portugal e no Estreito de Gibraltar desde Tarifa (Espanha) onde podem ser observados ao longo do ano, enquanto que outras baleias apenas são observáveis durante a migração. Pensa-se que Dominica é a única ilha do Caribe com um grupo de fêmeas e crias residente durante todo o ano.

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